Esclerose múltipla e doença do beijo

Esclerose múltipla e doença do beijo toda a verdade

Uma equipa de investigadores da HARVARD T. H. Chan School of Public Health (HSPH) diz ter descoberto evidências circunstanciais mostrando que a esclerose múltipla é causada pela infeção pelo vírus Epstein-Barr (EBV) que causa a mononucleose ou doença do beijo. A pesquisa foi publicada online na revista Science e noticiada por associações relevantes como a National Multiple Sclerosis Society.

Esclerose múltipla o que é? Quais os sintomas?

A esclerose múltipla (EM) é uma doença na qual o sistema imunológico ataca as bainhas de mielina protetoras que cobrem as fibras nervosas, levando a sintomas como:

  • Fraqueza muscular e perda de destreza em uma perna ou mão, que pode se tornar rígida;
  • Dormência, ou formigueiro;
  • Dor;
  • Fadiga;
  • Perda de coordenação e equilíbrio;
  • Ardor e comichão nos braços, pernas, tronco ou face e, algumas vezes, uma menor sensibilidade ao toque;
  • Problemas de visão.

Causas

A causa da esclerose múltipla é desconhecida, mas a explicação provável é que as pessoas são expostas no início da vida a um vírus (possivelmente um herpesvírus ou retrovírus) ou a alguma substância desconhecida que, de alguma maneira, aciona o sistema imunológico para atacar os tecidos do próprio corpo (reação autoimune). A reação autoimune causa inflamação, que provoca lesão na bainha de mielina e nas fibras nervosas subjacentes.

Os genes parecem desempenhar um determinado papel na esclerose múltipla. Por exemplo, ter um progenitor ou um(a) irmão/irmã com esclerose múltipla aumenta muito o risco de adquirir a doença. Além disso, tem mais probabilidade de se desenvolver em pessoas com certos marcadores genéticos na superfície das células. Normalmente, esses marcadores (chamados antígenos leucocitários humanos) ajudam o corpo a distinguir o próprio do não próprio e, assim, saber quais substâncias atacar.

Prevalência

A doença, que é incurável, afeta 2,8 milhões de pessoas em todo o mundo. Mas se os resultados do HSPH forem corretos, pode ser possível prevenir a EM, seja desenvolvendo uma vacina contra o vírus Epstein-Barr (EBV) ou desenvolvendo medicamentos antivirais para tratar a infecção por EBV.

Alberto Ascherio, professor de epidemiologia e nutrição e autor sénior do estudo, investiga, há vários anos, a hipótese do vírus Epstein-Barr ser a causa da esclerose múltipla. Mas estabelecer uma relação causal entre as duas doenças tem sido difícil porque o EBV infecta a maioria dos adultos (muitos sem nenhum sinal óbvio de doença), a esclerose múltipla é relativamente rara e os sintomas geralmente começam uma década após a infeção pelo EBV.

Fonte: Science magazine

Para detetar a ligação entre as duas doenças, os pesquisadores analisaram amostras de sangue colhidas a cada dois anos de 10 milhões de militares e ex-militares dos EUA e identificaram 955 que foram diagnosticados com esclerose múltipla durante o serviço militar. Ao analisar amostras de sangue desses pacientes antes de ficarem doentes, os cientistas conseguiram determinar que o risco de desenvolver esclerose múltipla (EM) aumentou 32 vezes após a infeção pelo EBV, mas não após a infeção por outros vírus.

Tratamento

O tratamento atual da esclerose múltipla utiliza as seguintes opções terapêuticas:

  • Corticosteroides;
  • Medicamentos que ajudam a impedir o sistema imunológico de atacar as bainhas de mielina;
  • Medidas para controlar os sintomas.

Corticosteroides

Os corticosteroide são usados no tratamento de uma crise aguda, funcionando como supressores do sistema imunológico. Devem ser administrados durante poucos dias para aliviar sintomas urgentes como perda de visão e falta de força ou coordenação.

Dois dos corticoides mais usados são os seguintes:

  • Prednisolona – por via oral;
  • Metilprednisolona – por via endovenosa.

Efeitos colaterais dos corticosteroides

Os corticosteroides podem baixar as recaídas e reduzir a progressão da esclerose múltipla mas não param a progressão da doença. Além disso não devem ser utlizados por períodos prolongados por causa, principalmente, dos seguintes efeitos secundários:

  • Infeções aumentam;
  • Diabetes são mais prováveis;
  • Peso aumenta;
  • Cansaço;
  • Osteoporose;
  • Úlceras.

Medicamentos para o sistema imunológico

Geralmente são também usados medicamentos que ajudam a impedir o sistema imunológico de atacar as bainhas de mielina que ajudam a reduzir as futuras recaídas. Os principais são os seguintes:

  • Injeções de interferon beta;
  • Injeções de acetato de glatirâmero;
  • Natalizumabe é um anticorpo monoclonal administrado por via intravenosa como infusão, uma vez por mês. É mais eficaz que outros medicamentos ao reduzir a frequência de recaídas e evitar futuras lesões no cérebro. Entretanto, o natalizumabe pode aumentar o risco de uma infecção rara e fatal do cérebro e da medula espinhal (leucoencefalopatia multifocal progressiva).
  • Fingolimode, ozanimode, siponimode, teriflunomida, cladribina e fumarato de dimetila – usados para tratar a esclerose múltipla que ocorre em padrões recorrentes. Esses medicamentos podem ser administrados por via oral. Fingolimode e fumarato de dimetila também aumentam o risco de leucoencefalopatia multifocal progressiva, embora o risco seja muito menor do que com natalizumabe.
  • Ocrelizumabe – anticorpo monoclonal utilizado para tratar esclerose múltipla que ocorre em padrões recorrentes ou progressivos primários. Ele é administrado como infusão numa veia a cada seis meses. Pode causar reações à infusão que podem incluir erupção cutânea, comichão, dificuldade para respirar, inchaço da garganta, tontura, pressão arterial baixa e frequência cardíaca rápida.
  • Alentuzumabe (utilizado para tratar leucemia) – também um anticorpo monoclonal, é eficaz no tratamento da esclerose múltipla que ocorre em padrões de recaída (padrão de recaída-remissão e padrão recidivante progressivo). Administrado por via intravenosa. No entanto, aumenta o risco de doenças autoimunes graves e determinados tipos de cancro.
  • Mitoxantrona – medicamento para quimioterapia. É administrada apenas quando outros medicamentos não funcionam, no máximo durante dois anos, porque aumenta o risco de lesão cardíaca.
  • Imunoglobulina – administrada por via intravenosa uma vez ao mês, por vezes ajuda quando outros medicamentos não funcionaram. A imunoglobulina é constituída por anticorpos obtidos do sangue de pessoas com um sistema imunológico normal.

Risco de leucoencefalopatia

A leucoencefalopatia multifocal progressiva (Lemp) é uma doença desmielinizante do SNC que decorre da infeção dos oligodendrócitos pelo vírus JC (JCV – vírus John Cunningham) que é um poliomavírus de material genético constituído por DNA e afeta, predominantemente, indivíduos imunodeprimidos.

Os medicamentos que aumentam o risco de leucoencefalopatia multifocal progressiva como natalizumabe, fingolimode e fumarato de dimetila, devem ser utilizados apenas por médicos experientes, especialmente treinados. Os doentes que tomam devem ser monitorizados para detetar os sinais de leucoencefalopatia multifocal progressiva.

Exames de sangue para o vírus JC, que causa a leucoencefalopatia multifocal progressiva, são realizados periodicamente. Se o doente que estiver a tomar natalizumabe desenvolver leucoencefalopatia multifocal progressiva, pode ser feita troca de plasma para remover o medicamento rapidamente.

Controlar os sintomas

Diversos medicamentos podem ser usados para mitigar sintomas específicos:

  • Espasmos musculares – Relaxantes musculares baclofeno ou tizanidina;
  • Problemas com a marcha –  Dalfampridina, tomada por via oral;
  • Dores por anomalias nos nervos – Medicamentos anticonvulsivantes como gabapentina, pregabalina ou carbamazepina ou, por vezes, antidepressivos tricíclicos como amitriptilina;
  • Tremores – Propranolol como bloqueador beta;
  • Fadiga – Amantadina (usado para tratar a doença de Parkinson) ou, menos frequente, medicamentos usados para tratar a sonolência excessiva (como modafinila, armodafinila ou anfetamina);
  • Depressão – Antidepressivos, como sertralina ou amitriptilina;
  • Incontinência urinária – Oxibutinina e tansulosina;
  • Constipação intestinal – Amolecedores do bolo fecal ou laxantes tomados regularmente.

Medidas gerais de apoio

Os doentes com esclerose múltipla conseguem, geralmente, manter uma vida ativa, mas podem cansar-se mais facilmente e, por vezes, não são capazes de cumprir muitas tarefas importantes. O reforço da motivação psicológica é essencial.

Exercício físico

Exercícios físicos praticados com regularidade, reduzem a espasticidade e contribuem para manter a saúde cardiovascular, muscular e psicológica. Os melhores exemplos são os seguines:

  • Bicicleta estática,
  • Passeios,
  • Natação,
  • Alongamentos.

Fisioterapia

A fisioterapia pode ajudar a manter o equilíbrio, a capacidade de caminhar e o nível de mobilidade, assim como a reduzir a espasticidade e a debilidade. Caminhar melhora qualidade de vida e ajuda a evitar a depressão.

Evitar o calor e o tabaco

Evitar o calor, como os banhos de água quente, pode ajudar, pois o calor pode piorar os sintomas. As pessoas que fumam devem parar.

Vitamina D é muito importante

As pessoas que apresentam níveis baixos de vitamina D tendem a ter esclerose múltipla mais grave e tomar vitamina D também pode reduzir o risco de osteoporose.

Cuidados adicionais

Quando os doentes não são capazes de se mover com facilidade podem aparecer úlceras de decúbito. Assim, tanto os doentes como os seus cuidadores devem ter um cuidado especial para prevenir estas úlceras.

Nas pessoas incapacitadas, os terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e fonoaudiólogos podem ajudar bastante na reabilitação. Os assistentes sociais devem recomendar e ajudar a organizar serviços e equipamentos necessários para esses apoio suplementares.

Concluindo

Embora o estudo publicado na revista Science, não prove causalidade ou descreva um mecanismo pelo qual o EBV leva à esclerose múltipla, é grande o suficiente e a associação forte o suficiente para desencadear o desenvolvimento da vacina contra o EBV. É até possível, diz Ascherio, que “medicamentos antivirais específicos para EBV possam prevenir ou curar a esclerose múltipla”.

Outros investigadores de Harvard que contribuíram para o estudo incluem o ex-professor assistente de epidemiologia Michael Mina, os cientistas pesquisadores Kjetil Bjornevik, Marianna Cortese e Kassandra Munger, o professor Mendel de genética e medicina Stephen Elledge e o professor associado de neurologia Brian C. Healy.

Referências